Domingo, 28 de Setembro de 2008

Grande demais....

 

Criança

Imagem retirada de Ticho

 

Os risos ecoavam ainda pelos corredores largos, afastando-se. Nunca soube muito bem por ordem naquela correria desenfreada, nos atropelos à saída. Confesso mesmo, que em muitos dias, me apetecia simplesmente sair a correr com eles, esquecer tudo, e voltar a ter direito a brincar. Reconquistar os meus minutos de recreio!

Depois de todos terem saído, reparei na Sofia, ficara sentada, carita escondida pela cabeleira. Caminhei para ela, ouvindo apenas o som seco do tacão a bater na madeira velha do soalho e o frenesim distante que chegava da rua, para lá das velhas portas em arco.

“Posso sentar-me contigo?” – Perguntei com um sorriso, tentando adivinhar o motivo da sua tristeza. Limitou-se a acenar com a cabeça.

“Não queres brincar com os teus amiguinhos hoje?”

“Não! Já sou muito crescida!”

O seu tom era realmente o de um adulto triste, aprisionado no seu corpo e voz infantil. Avistei-lhe uma lágrima a despontar nos belos olhos negros. Senti o coração apertar-se face ao sofrimento daquela criança que aprendera com o tempo a amar.

“Sabes uma coisa Sofia, eu sou ainda mais crescida que tu e está a apetecer-me ir lá fora aos baloiços. Queres ir comigo?”

Fitou-me de frente, com os olhos arregalados de espanto.

“As duas? No baloiço?”

Sorri-lhe como resposta.

“Não!” - Disse peremptória e novamente cabisbaixa. – “Eu ontem ouvi que já sou grande demais...”

“Ouviste? Quem te disse?”

“Não foi a mim... Eu é que ouvi... Afinal já não vou ter uma mãe nova... Já sou muito grande...”

Apeteceu-me sair aos berros com quem o tivesse dito, mas em vez disso forcei um sorriso e tentei confortá-la.

“Pois eu não te acho muito crescida, acho que és uma menina linda e que quando tiveres uma mamã nova, ela será muito feliz contigo, terá muita sorte por te ter!”

“Achas?!”

“Tenho a certeza!”

O seu rosto abriu um sorriso rasgado e os bracitos magros atracaram-se no meu pescoço. Não lhe vi o rosto quando ela me fez a pergunta mais doce que algum dia escutei e eu tomei a decisão que me fez mais feliz.

“Isso quer dizer que gostavas de ser minha mãe?”

 

(Texto de ficção escrito por: Marta)

Obrigado Cátia e Marta

 

publicado por Missão Criança às 15:56
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8 comentários:
De Cátia a 28 de Setembro de 2008 às 22:14
Olá Jorge,

Eu e a Marta somos duas amigas que costumamos usar os nossos blogs e lembrar às pessoas, através da ficção, sobre alguns problemas... A Marta há já muito tempo num outro espaço, escreveu este texto memorável que merece mesmo ser divulgado. Hoje achei que era altura de voltar a este tema e escrevi tambem no ticho sobre o assunto.

É mesmo preciso falar sobre tantos milhares de crianças e familias que se encontram neste processo.

Beijinhos
De marta a 29 de Setembro de 2008 às 09:57
Bom dia,

Em primeiro lugar, agradeço o seu interesse pelo meu texto. Como a Cátia já referiu é ficção. Escrevi-o para postar no dia da criança no ano passado, num blogue que entretanto encerrei.
Tentei apresentá-lo como uma mensagem de esperança. Acho que é preciso manter a esperança.

Quanto ao seu blogue, acho útil que existam espaços como este, creio que quem inicia um processo de adopção, passará por períodos de dúvidas, de incertezas e certamente irá beneficiar se puder partilhar experiências, ler testemunhos de outros que já o passaram.

Parabéns pela iniciativa.
De Olinda a 29 de Setembro de 2008 às 11:51
Este é um tema tão dificil, os pais sonham com bebes as crianças mais crescidas sonham com uns pais...
Adorei o texo, obrigado!
De Anónimo a 29 de Setembro de 2008 às 13:43
Marta,
Acho que este texto foi, entre outros, dos que mais me prenderam ao ecrân do computador. Li duas vezes.
É ficção mas existem situações destas.
Obrigada pela sua sensibilidade e por partilhar connosco.
É pena que o desfecho seja apenas ficção, porque os ingredientes tenho a certeza que existem em demasia por essas instituições fora.

Maria João

Maria João
De marta a 29 de Setembro de 2008 às 15:36
Peço desculpa ao Jorge, por estar a responder, mas como gosto de falar, prefiro muitas vezes os comentários aos posts e não resisti.

Maria João,
Começo por lhe agradecer, mas principalmente queria dizer que não fui eu que terminei a estória. É cada um dos leitores que o faz. É certo que eu indico, ou deixo no ar a ideia de que a Sofia foi adoptada, foi com esse propósito que o escrevi, mas é a esperança e a sensibilidade que vive em quem o lê, que o torna tocante e feliz!
Não tenho a menor duvida de que os ingredientes do conto abundam na realidade. Tanto na quantidade de crianças ditas "grandes demais", quanto na quantidade de adultos que querendo adoptar, muitas vezes não o podem fazer por algum motivo.

Obrigada a todos.

Marta
De Jorge Soares a 30 de Setembro de 2008 às 00:07
Marta, não tem que pedir desculpa, este blog não é meu, por favor comente..,sempre.

Jorge
De Cristina a 29 de Setembro de 2008 às 17:55
Olá Jorge,
Tive conhecimento do seu blog através da minha amiga Cátia.
Ainda quase não tive tempo de ler (passei só pelos titulos)... Mas vou ler de "fio a pavio" - se existem temas que mexem comigo, este é, talvez, um dos principais.
Li também os comentários que deixou no blog da Cátia e da Sónia; tomei conhecimento da campanha que tenciona levar para a frente: já estou na fila!!! Só assim podemos ir fazendo alguma coisa...
Um beijo
CA
De Jorge Soares a 30 de Setembro de 2008 às 00:09
Olá cristina

Obrigado pela visita e pelo simpático comentário... muito em breve teremos noticias da campanha.

Jorge

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