Não sei se alguém se lembra do post em que falava dos genes e das duas mulheres cá de casa?... certo certo é que desde então o clima de guerra está instalado, e os dois homens já estamos a pensar pedir asilo algures... mas disso já falarei outro dia
Estes dias recebi um email em que alguém dizia o seguinte:
Acho que a maior dificuldade é não sermos um casal infértil e ninguém perceber porque é que podendo ter filhos biológicos alguém se propõe adoptar uma ou mais crianças. è recorrente a questão mas não queres ver os teus traços na criança, mas e os genes perdem-se e blá blá blá...
Não é uma conversa que não tenha escutado antes, eu e todas as pessoas que optaram por adoptar mesmo podendo ter os seus filhos biológicos. Não consigo perceber porque é que as pessoas acham que os genes do meu filho adoptado não são melhores que os meus, ou porque é que eu haveria de preferir os meus genes a outros qualquer... mas deve haver alguma razão lógica..... aliás, atendendo ao post que referi no inicio... bem que tínhamos dispensado alguns dos genes da R... que o N. é bem menos reivindicativo.
Mas voltando ao mail, vou de novo socorrer-me da resposta da Sandra:
tal como vocês também nós não somos inférteis (que saibamos, porque nunca tentámos engravidar nem queremos!). A recepção por parte da nossa família e amigos até foi bastante boa, mas a verdade é que já estavam preparados para tal. A mim desde sempre me ouviram dizer que não queria ter filhos (por uma multitude de razões que vão muito além das questões da adopção, da protecção à infância e que se prendem com formas específicas de '"ver" o mundo). Todas essas razões, levaram a que a adopção de uma criança (quando a vontade de sermos pais surgiu) fosse a escolha mais óbvia e lógica.
Apesar da desilusão da mãe do meu companheiro e também da minha, a aceitação foi muito boa e a minha filha hoje (e desde o início) está perfeitamente integrada na família.
Mas é claro que também tivemos de responder a algumas questões como as que indicaste. Essa dos genes então tira-me do sério. Normalmente, a minha resposta é "quem lhes disse a eles que os seus (e meus) genes eram melhores do que os de outra pessoa qualquer no mundo?!". Tentei sempre explicar também porque é que os genes, a biologia, o sangue e a carne não significam nada para mim. O que me importa são os afectos. E exemplos de como isto é verdade não faltam à nossa volta. Na sociedade, no nosso círculo de amigos, no seio da nossa própria família!
Esses impulsos de transmitir os genes, deixar descendência biológica, etc..., funcionava em tempos muito, muito remotos, em que o objectivo humano era, como o de qualquer outra espécie a sobrevivência e a evolução. Não quer dizer que hoje, esses impulsos não existam, mas existem também uma série de outros factores com um peso enorme e o facto de, enquanto seres racionais que somos, podermos e termos o dever de ponderar todos os condicionantes.
No seguimento disto e em relação às dúvidas das pessoas, sobre o porquê de não querer ter filhos biológicos, a resposta é também, para mim, óbvia:
- O planeta está sobrelotado.
- Os recursos, por mais que as pessoas teimem em ignorar esse facto, são finitos.
- Toda a ideologia política, económica e social na qual se baseiam as sociedades actuais, aniquila-me qualquer ponta de optimismo em relação a «esta» humanidade.
Considerando tudo isto (e muito mais, mas se começo nunca mais paro!), porque razão é que eu quereria pôr mais um ser humano cá?! Para mim isso simplesmente não faz sentido.
- Depois, também acresce a questão da prioridade: já cá estão crianças sem família. Neste mundo. Já existem. Estão primeiro do que as que ainda não existem! Parece-me lógico, não? Então primeiro há que tratar destas. É tão simples quanto isso.
Esgotados todos os argumento lógicos, resta-nos o inestimável direito de decidirmos sobre a nossa própria vida: "É assim que vai ser porque eu quero. É a minha/nossa vida e eu/nós é que decidimos. Se querem apoiar, muito bem. Se não querem, olhem, vão dar banho ao cão!"
Sandra..... tu és demais!
Post publicado inicialmente no blog:O que é o jantar
Jorge
PS:imagem retirdada da internet
Aqui a vai a entrevista que me foi feita por uma estudante de Comunicação social da Universidade de Coimbra:
Sabe porque razão foi para a adopção?
Fui para Adopção porque passei por um abandono e rejeição por parte da minha progenitora.
Com quatro anos sabia o que se passava, com todo o processo, mudança de casa e tudo o resto?
A forma como uma criança aos 4 anos vê e percebe a vida é um pouco menos simplista do que se possa pensar. Recordo-me de um dia em que ia de mão dada com a minha ama ao chegar à escola, olha para uma das meninas com que costumava brincar durante o dia que vinha de mão dada com a avó. E lembro-me de pensar porque não tinha eu uma avó e muito menos uma mãe. Tinha a noção que estava ali porque não tinha família, sentia-me triste com isso mas não percebia claramente os condicionalismos de tal vivência.
Quando lhe contaram que era adoptada?
Permita-me a (im)pertinência de a corrigir. Eu não era adoptada. Eu tinha sido adoptada. Hoje, eu Fui adoptada. Os tempos verbais e os conceitos fazem grande diferença no modo como vemos e catalogamos as coisas. O termo adoptado, é um momento, depois desse momento vem todo um processo, mais ou menos longo depende das particularidades de cada um.
Eu sempre soube que tinha uma vivência distinta. Talvez nos primeiros tempos tudo surgisse de forma meio enevoada e desconstruida ao nível da minha consciência, mas foi algo que tinha presente. Os meus pais sempre tiveram a inteligência de o abordar de forma clara e sem qualquer tipo de inibições. Não houve, por si só, uma revelação ou o dia D. Foi um processo de questionamento liberal sobre os Porquês? os Comos? e os Quandos?. Um processo adaptado à minha realidade etária.
Qual foi a sua reacção?
Não houve uma reacção, existiu sim uma crescimento pessoal que culminou na aceitação da rejeição como um fenómeno de responsabilidade não partilhada. Esse processo de maturação passou por fases de revolta, frustração, raiva, falta de amor próprio. Momentos esses necessários e plenos de normalidade. Foram-se intercruzando com os típicos momentos de desenvolvimento, com as minhas características pessoais e com as normas societais que regem o meu dia-a-dia. Não foi um momento de descoberta, foi um processo de descoberta e de busca interior. Intenso, por vezes perturbador mas muito enriquecedor e que dita a pessoa que gosto de ser hoje.
Por ser de origem africana alguma vez se sentiu discriminada?
Em nenhum momento senti alguma discriminação por ser de origem africana. Sublinho que os meus pais são os tipicos caucasianos aportuguesados e que há vinte anos eram pioneiros. em todo esta realidade. A discriminação vai acontecendo todos os dias em que me dizem " e os teus verdadeiros pais? Não os queres conhecer". Está implícita naquilo que socialmente está normatizado para o que é, de facto, uma familia e especialmente para aquilo que não é. Hoje em dia começa a ser até bem visto a tipica familia benetton, o problema é quando se fala de crianças das crianças ditas pretas retintas. Arrepia-me a espinha quando oiço dizer " Ai como eu adorava ter um filhinho chinesinho"... é a familia como o espelho da consciência estética societal. Uma criança é uma criança em qualquer parte do mundo. Amarelo, branco, vermelho, assim-assim ou preto retinto.
Conhece a sua família biológica? Ou gostaria de conhecer por curiosidade? Porquê?
Nunca tive qualquer contacto com a minha familia biológica. Com a excepção do meu irmão, com quem partilho o tal principio de consanguinidade. O desejo de conhecer a minha familia biologica centrou-se apenas nos meus irmãos e não por uma questão de identificação mas sim de um sentimento de co-responsabilidade perante o desfasamento entre o que eles mereciam ter e as oportunidades das quais eu usufruia. Sentia-me simultaneamente responsavel e culpada pelo que não lhes acontecera e vivia a debater-me com esse sentimento misto de impotência. Foi algo que consegui resolver internamente quando me consegui libertar do contracenso de acreditar no valor pleno dos laços de amor e no valor imposto pela superioridade genética defendida pela sociedade em que habito.
Adoptaria um dia uma criança?
Eu desejo com todo o coração ser mãe. Como me assumo defensora dos laços de amor e tenho os braços abertos para quem neles procurar colo e um simples " amo-te de coração" é claro que pretendo um dia recorrer à adopção. Espero que nesse dia à espera não seja tão longa como hoje em dia.
Como psicóloga acha que o meio envolvente e o modo como é criada uma criança pode "apagar" os vestígios dos maus tratos passados, se for o caso?
O contexto é uma fonte de dor mas é também uma fonte de cicatrização. O principio é o de que nada há para apagar. Tudo faz parte de nós, porque somos individuos inteiros, e o tempo é um processo continuo que não deve ser refractado em presente, passado e futuro. Somos unos, e nesse unidade devemos compreender, integrar e viver em paz como o que Somos. A educação é uma forma de amor e o amor que se encontra após o temporal da rejeição e do abandono no seio de uma familia intencional e conscientemente vocacionada para o amor são fundamentais. Eu não tenho a pretensão de apagar seja o que for na minha história porque ela faz demim a pessoa em que me transformei hoje e faz-me transbordar de amor de cada vez que olha para familias que passaram como eu por este processo e que são como um espelho demim e da minha familia. Também elas não têm a pretensão de apagar nada. Porque não há nada para apagar, tudo há para amar.
Como pode o amor disciplinar uma criança?
O amor disciplina na sua incondicionalidade. Na aceitação das intempéries, das virtudes e das particularidades de cada um. Disciplina na aceitação da imperfeição. E ama-se assim. É assim que estes pais amam todos os dias. Incondicionalmente. Nos momentos mais devastadores, nos momentos de maior ternura. É assim que se disciplina. Com amor. E estes pais, estas familias estão especialmente vocacionadas para a cura através do amor. Porque é ele a sua maior ferramenta. Porque tudo o que fazem, as decisões, os momentos de espera e de aflição, as gravidezes que se prolongam durante anos, os processos de avaliação a que se sujeitam só o fazem porque têm amor para disciplinar, para crescerem e ajudarem a crescer.
Qual o momento adequado para contar a uma criança que é adoptada?
Desde sempre. A camuflagem devirtua a verdade e a vivência que cada um faz dela. Negativiza, cria gaps de comunicação. E mais uma vez chamo a atenção para a utilização do tempo verbal. O processo de adopção termina quando se atinge um estado de vinculação. Estas crianças são filhas no coração desde sempre. Antes de ser já eram. O tabus, as meias-verdades envenenam a relação. Retiram-lhe a base de segurança que devem ostentar. Claro que deverá sempre existir um cuidado quanto à forma como se vai gerindo e respondendo às questões, devendo existir um ajustamento à particularidade da criança em causa. À idade, ao momento de maturação, às suas fragilidades. A informação deve ser indo gerida com cuidado mas sempre, sempre com verdade.
Como é que um adoptante deve encarar todo o processo?
Com persistência, com resiliência. E esse principio de resiliência aprende-a todos os dias com estas crianças, que são o maior exemplo de resiliência que a sociedade conhece. É um processo adaptado à realidade cada um e às particularidades de cada familia. O amor trabalha-se. O amor vive-se dia-a-dia. Nem sempre se vive um amor à primeira vista. Não romantizemos as coisas. E nada nisso há de errado. O amor constrói-se na vivência partilhada. Por isso vivam com paciência, com paz de espírito e com amor. Munam-se de informação, criem uma boa rede de apoio social e combatam o isolamento.
Concorda que o período de acolhimento é a fase mais importante de todo o processo? Porquê?
Todas as fases do processo têm a sua relevância. E todas elas devem ser bem conseguidas porque só aumentam a probabilidade de obtenção de um processo de adopção de sucesso. E o que sucede é que se continuam a ter bases de apoio deficitárias e a passarem-se muitas vezes por processos ansiosos e de alguma escuridão. Isso também dita o processo de acolhimento. O processo de acolhimento não pode ser visto como determinista. Os passos dados por ambos os lados - os adultos e a criança - são ainda artificiais no seu cuidado e no estudo da natureza do outro. Não considero que hajam momentos mais importantes que outros, tudo faz parte do processo, embora seja esta fase talvez a de maior proximidade e mais preditiva ao nível da concretização da adopção. Mas há que ter cuidado aquando da análise deste periodo e não cair em reducionismos limitadores.
SU
Publicado originalmente no blog: Wake up Little Susie
Imagem retirada da internet
Em Setúbal o tempo não está a ser cumprido e no resto do país ?
A minha própria experiencia, leva-me a afirmar que em Setúbal o tempo de 6 meses estipulado por lei para se avaliar os candidatos à adopção não está a ser cumprido.
E no resto do País como estamos?
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