Não me lembro quando foi a primeira vez que ouvi falar de crianças devolvidas por pais adoptivos, mas como devem imaginar é um assunto que me choca, se já é mau que uma criança seja abandonada, imaginem o que sentirá quando é abandonada uma segunda vez. É difícil sequer imaginar o que possa sentir uma criança que por vezes está anos à espera, uma criança que muitas vezes anseia por uns pais que lhe dêem amor e carinho e que quando finalmente acha que os encontrou, é posta de lado como se de um brinquedo defeituoso se tratasse, conseguem imaginar o que se possa sentir?
Já ouvi umas 4 ou 5 histórias de devoluções de crianças, ontem um dos jornais falava de um casal que devolveu uma criança porque ela não se conseguiu entender com o cão da família. Acreditem ou não, este não foi o caso que mais me chocou. O caso de devolução que mais me chocou foi um em que o motivo para a devolução era... que a criança era carinhosa demais. A candidata a mãe (ia dizer mãe, mas há pessoas que não merecem esse nome) dizia que a criança se tinha apegado demais a ela, que só queria beijinhos e abraços e que nem no centro comercial desgrudava. Quando me contaram isto eu simplesmente não consegui acreditar....
Segundo o mesmo jornal, no últimos 4 anos 80 crianças foram devolvidas aos centros de acolhimento, há uns meses o número era de 70, agora passou para 80, não faço ideia de onde tiraram a informação, mas eu entendo que mais que o número, o que interessa aqui é perceber o que falhou, sim, porque é muito fácil deitar as culpas para quem devolve a criança, mas falta o resto, e o resto está evidentemente em quem avaliou e aprovou essas pessoas como candidatos a adoptar.
Os processos de adopção demoram pelo menos 6 meses, é necessário responder a questionários com muitas e complicadas questões, são necessárias entrevistas sociais e psicológicas.... o que falha?
Do meu ponto de vista falham muitas coisas, evidentemente que em primeiro lugar falham os candidatos, para a adopção é necessário ir com o coração, há muita gente que só vai para a adopção em ultimo recurso, quando já esgotaram todos os restantes recursos, pessoas que sonham e anseiam com um bebé, sangue do seu sangue...e que depois quando recebem uma criança que de bebé já não tem nada, quando lhes entra pela casa dentro um estranho com vontade própria e que muitas vezes tem uma historia de vida que não se recomenda a ninguém, simplesmente concluem que não são capazes.
Mas será que estas situações não deveriam ser detectadas pelas equipas de avaliação? Do meu ponto de vista é claro que sim, se a maioria dos processos até leva mais que os seis meses de lei, porque é que estas coisas acontecem, como é que uma psicóloga não detecta algo estranho numa mãe que depois devolve uma criança porque é carinhosa demais?
Este é um tema muito complicado, mas termino como comecei, no meio de tudo isto quem sofre são as crianças, ser abandonado uma vez, ser colocado num centro de acolhimento onde muitas vezes não se passa de mais um numero, ser esquecido pela família e pelo estado e quando finalmente se pensa que se encontrou uma vida...ser abandonado de novo como se de uma peça defeituosa se tratasse..deve ser algo que marca para toda a vida...e nenhuma criança deveria ter de passar por isso.
Adoptar uma criança não é fácil, não tem nada a ver com passar-se 9 meses a ver crescer uma barriga, pensar nos nomes que iremos escolher, ver as fotografias das eco grafias, sonhar com a cor dos olhos, adoptar não é nada disso. Adoptar é receber nos nossos braços um ser humano que existe, um ser humano que já viveu e que muitas vezes tem opinião e maus hábitos. Adoptar é receber em nossa casa um estranho que não nos diz nada e que de um dia para o outro veio para ficar.
A maioria dos candidatos cria expectativas, sonha com esse filho que tanto deseja, idealiza pessoas e situações, acreditem em mim, a probabilidade de que as coisas sejam como as idealizaram.. é muito pequena... mesmo muito pequena... e na maior parte dos casos, não é nada fácil, porque não podemos esquecer que estamos a falar de crianças que já foram marcadas pela vida muito antes de nos conhecerem. Por isso, adoptar tem que vir do coração.
Jorge
De helena a 2 de Junho de 2011 às 20:19
Olá, estive a ler com mt atenção e respeito todos os comentários. Não quero ser preconceituosa nem precipitada, mas parece-me que é mt fácil falar de situações pelas quais nunca passamos...o pior é quando as emoções e os sentimentos falam mais alto.
Estou há 7 anos esperando o milagre da adopção...e no último ano várias barreiras surgiram...depois de toda a selecção, agora temos também de fazer um "curso" de 2 meses e meio, no nosso horário laboral...obrigatório! ou vamos ao curso e continuamos na lista e como prémio podemos também perder o emprego!!!Que país é este? para pouparem nos recursos humanos de acompanhamento, obrigam-nos a nós candidatos a frequentar um curso de pais....a descriminação é incrível e de facto somos mesmo tratados como criminosos em vigilância....
Já agora...poderei saber qual a faixa etária das crianças q foram devolvidas? penso q esse é um dado q explica mt coisa....adoptar não pode ser uma atitude leviana...eu não vou adoptar porque sou mt boazinha...vou adoptar pq quero ter um projecto familiar cheio de amor, e de tudo o que uma família normal tem.....
De Sandra Cunha a 3 de Junho de 2011 às 13:32
Helena, subscrevo o que dizes. Eu não passei pela formação. O meu processo foi muito anterior a isto. Mas se fosse agora, movia meio mundo para combater isto.
Se por um lado, é importante que os futuros pais conheçam e estejam preparados para as especificidades da parentalidade por via da adopção (que é diferente da biológica e acho que ninguém o nega), penso também que outros processos se terão de arranjar que não o de considerar à partida os candidatos à adopção como potenciais criminosos, como inimigos, como pessoas sem escrúpulos ou sem qualquer formação.
Essa questão das 'faltas ao trabalho' para assistir aos cursos de formação obrigatório já foi levantada junto dos grupos parlamentares (como sempre, apenas os dois de sempre - CDU e BE - mostraram conhecimento e interesse em mudar as coisas, o que terá evidentemente de ficar para a próxima legislatura) e já foi exposta, por mim própria, ao presidente do ISS que, pasme-se (!) ficou muito surpreendido por o Código do trabalho não contemplar isso! Disse que certamente isso iria ser alterado. Essa conversa que tive com ele foi há cerca de uma ano. Continuamos à espera.
Mas eu, por mim, continuarei a insistir! Escrevam para os Grupos Parlamentares, associações, reclamem. Escrevam para os meios de comunicação social. Denunciem. Reclamem. Façam ouvir a vossa voz. Lembrem-se que é também a voz das crianças que tal como vocês estão à espera, elas também estão...
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